A partir dos acontecimentos que narrei, a resistência dos operários se amainou um pouco, mas não foi esmagada. Pouco a pouco, os mineiros ultrapassaram as dificuldades. Para tanto, contribuíram também dados políticos novos. Um deles foi a modificação no panorama com o fim do nefasto governo Dutra e com a volta de Vargas à Presidência da República, eleito pelo voto popular.
Do ponto de vista da luta operária na Morro Velho, sem dúvida o fatos mais signifcativo foi a mudança no comportamento da Igreja Católica na década de 1950. impulsionada pela nova orientação dos bispos, a Ação Católica passou a atuar entre os mineiros por intermédio da juventude Operároa Católica (JOC), da Pastoral Operária e de outros órgãos, a que se deve acrescentar o desempenho do núcleo local do Partico Democrata Cristão (PDC). Esse redirecionamento ganhou maior profundidade quando, em 1958, João XXIII assumiu a cadeira de São Pedro e convocou o Concílio do Vaticano II, em 1962.
A atividade da JOC em Nova Lima começou em 1951, quando nela ingressou um jovem operário, congregado, mariano, que trabalhava como carreiro na mina - José Gomes Pimenta, o Dazinho. Ele contava: "Fui o fundador da JOC em Nova Lima (...) Reunimos cinco ou seis sujeitos da mina, e o padre Lage leu o Evangelho na vida do operário. Nasceu o nosso ideal".
Os jocistas da nossa cidade não se subordinavam ao vigário da paróquia. Seguiam a orientação do padre assistente de Belo Horizonte, o famoso padre Francisco Pessoa Laje, que, posteriormente foi eleito deputado federal e, após se cassado em 1964, exilou-se no México.
Lentamente a liderança de Dazinho foi se impondo entre os mineiros, pela firmeza com que defendia os interesses de seus companheiros. O sindicato libertou-se da intervenção do Ministério do Trabalho e elegeu seus dirigentes. De 1952 em diante voltaram as greves e as ameaças de greve por aumento salarial, pelo abono-família e pelo pagamento da taxa de insalubridade.
Cresceu a resistência dos mineiros diante da prepotência dos ingleses. Em outras palavras, a Fênix renasceu. Mas com uma característica nova - a liderança era compartilhada pelos católicos e comunistas, sendo Dazinho a figura proeminente nas lutas.
Essa aliança não se concretizou com facilidade, porque de lado a lado havia desconfianças e ressentimentos. Dazinho relembrava: "Sempre aceitei os comunistas como gente. Nosso objetivo era evangelizar no meio do trabalho. Era um evangelho diferente do que a gente conhecia na época, por exemplo, em 1948 os comunistas ficaram com o de pé atrás. Houve hostilidade dos católicos para com eles. Deles também. Mas os objetivos eram os mesmos: 'promoção humana', e esta só se fazia pelo Sindicato; apoio e ajuda aos trabalhadores!".
A réplica dos comunistas é significativa: "Dazinho crescia com a JOC. Sincero e honesto. Nunca deixou de falar com um de nós porque a gente era comunista. Nunca nos colocou de lado. Também, quando entrou na chapa para a direção do Sindicato em 1953, não caiu do céu como um santo. Não foi um milagre. Ele vinha do fundo da mina".
Dazinho assumiu a presidência do sindicato e, logo em seguida, foi eleito deputado estadual, na legenda do PDC. Todavia, nunca se afastou de Nova Lima e do trabalho na mina. Tornou-se uma figura de grande prestígio no movimento operário e nas lutas políticas pelas reformas de base, naquele período agitado do governo Goulart.
Não por um acaso, certamente, foi na Morro Velho que houve uma greve de dois dias de protesto contra o golpe de Estado de 1964. Isso só aconteceu em algumas poucas empresas privadas do Brasil. O jornal Estado de Minas (de 2/4/1964) informou que todas as atividades da mina foram paralisadas e que forças militares ocuparam Nova Lima, efetuando a prisão de inúmeros mineiros. No dia seguinte, uma passeata dos trabalhadores foi dissolvida violentamente pelos militares e diversos outros operários foram presos. Foi decretada a intervenção do sindicato e a Justiça Militar iniciou um processo contra 45 mineiros, entre eles Dazinho.
Em consequência, esse bravo líder dos mineiros da Morro Velho pagou um preço elevado após a queda do governo constitucional. Ficou preso durante meses e a empresa não concordou com o seu retorno à Morro Velho. Saindo da prisão, tentou voltar a sua função de carreiro. Nos anos de chumbo, porém passou a ser considerado pela companhia como a personificação do demo, muito pior do que os comunistas. Embora fosse aquele mesmo que, para trabalhar na mina, teve que falsificar documentos para aumentar sua idade, pois os ingleses julgavam que meninos não conseguiam encher e empurrar os vagonetes de minério.
Dazinho não partiu para o exílio, nunca tentou viver de suas glórias passadas. Nos duros e longos anos da ditadura militar, seguiu a vida de um trabalhador. Afinal, essa sempre foi sua condição de vida, a mesma de milhões e milhões de brasileiros.
Alguns amigos, sempre solidários com a luta daquele líder operário, conseguiram para ele um emprego numa fazenda. No entanto, em razão de um acidente com o cavalo em que montava, Dazinho sofreu uma queda e ficou hemiplégico, impossibilitado de trabalhar. Todos que o visitaravam, no entanto, diziam que ele estava lúcido, não lamentava a sorte madrasta e reafirmava sua fé e a esperança em dias melhores para o nosso povo.
A Mina de Morro Velho acabou mudando de dono. A Saint John D'el Rey Mining Company feneceu, acompanhando a trajetória descendente da "Perfida Albion" nos negócios internacionais. Tudo porque, entre outros motivos, se verificaram importantes modificações no quadro mundial da exploração das riquezas minerais. Nesse panorama novo, as imensas reservas de minériode ferro existentes nas propriedades da Companhia, localizadas no quadrilátero ferrífero de Minas Gerais, foram cobiçadas pelas multinacionais voltadas para a indústria do aço.
Em razão disso, a Hanna Corporation, norte-americana, adquiriu a companhia do Morro Velho em 1960. Foi mantida a estração de ouro e outros metais na mais antiga e mais profunda mina do globo. Afinal, não se corta o pescoço da galinha dos ovos de ouro.
Poderá pensar o leitor após ler a narrativa que usei de uma forte dosagem pessoal quanto a minha visão da luta dos mineiros da Morro Velho, mas assegurei ser parcial para que a verdade venha a tona, o que narro a seguir é a visão da evolução urbana no município de Nova Lima, desde o começo da exploração do ouro na Morro Velho. Se assim o faço é porque não há como separar a história de Nova Lima da história da Mina de Morro Velho.
A Mina de Morro Velho, situada no então arraial de Congonhas de Sabará - atual município de Nova Lima -, começou a ser explorada aproximadamente por volta de 1725. Até as primeiras décadas do século XIX, a mina pertenceu à família Freitas, que realizou de forma irregular a extração do ouro pelos processos vigentes à época, utilizando a mão-de-obra escrava. Em 1830 a propriedade, que já contava com o grande solar que serviu de residência ao Padre Freitas - a Casa Grande -, foi vendida ao Capitão George Francis Lyon - antigo superintendente da Mina de Congo Sôco, na região de Caeté - que a explorou com algumas dificuldades. Quando de sua venda para a Saint John, a mina estava sob a administração dos herdeiros de Lyon e foi transferida com todos os seus bens, incluindo escravos, rebanho, minério bruto, ferramentas e utensílios, maquinário e armazéns.
Quando foi adquirida pela Saint John D'el Rey, a mina de Morro Velho consistia em três grandes lavras, formadas de três cavernas inclinadas na direção do mesmo filão, e conhecidas como Baú, Quebra Panela e Cachoeira.
Os processos de mineração utilizados eram ainda bastante primitivos e trabalhosos. O minério era extraído da rocha matriz e, depois, tanto quanto possível, arrastado por meio de moitões até uma espécie de plataforma de madeira com rodas, que o conduzia para fora através de um túnel. Quando esse tipo de transporte mecânico não era possível, o material era então transportado na cabeça, principalmente por jovens negras que eram obrigadas a passar por frágeis tábuas e escadas.
Todas as perfurações eram manuais e não chegavam a alcançar uma profundidade média de algumas poucas polegadas por dia. Para o tratamento, o minério era levado para a área de seleção, onde mulheres munidas de martelos partiam os pedaços maiores até reduzi-los a um tamanho que facilitasse a sua trituração nos pilões. Esses gigantescos engenhos, que pulverizavam o minério, eram movidos à água que, vinda de longe, através dos canais abertos, acionavam as rodas. E 1883 chegaram a existir 132 desses pilões na Compainha.
No início de seus trabalhos, a Saint John precisou fazer investimentos adicionais, a fim de melhorar a qualidade da produção e resolver alguns problemas técnicos que a mina apresentava. À proporção que as escavações aprofundavam, um volume sempre sempre crescente de água era encontrado, e a solução para esse problema era difícil, já que o equipamento de bombas era bastante frágil e estava gasto pelo esforço de manter a mina em funcionamento. Além disso, as escavações e galerias tinham que ser sustentadas por uma quatidade cada vez cada vez maior de madeira, aumentando as ameaças de desmoronamento e de inundações. A iluminação era feita por velas e óleo de mamona, vindos de longe ou fabricados em Morro Velho.
Apesar dos imprevistos e dificuldades, o empreendimento começou a prosperar, e muitas medidas de aperfeiçoamento foram sendo tomadas pela compainha. Depois da solução de alguns problemas técnicos, passou-se a uma preocupação mais direcionada às condições de vida da comunidade inglesa que ali se instalava. Na década de 1840 foram criados um hospital, uma escola para as crianças européias, um cemitério e uma igreja exclusivos. Estas últimas iniciativas explicam-se, obviamente, pela diferenciação religiosa, já que os ingleses eram, majoritariamente, seguidores do anglicanismo. Tendo o Império do Brasil uma religião oficial - a católica -, e a vida civil sendo controlada pr ela (batizados, casamentos, óbitos, enterros), havia certos empedimentos ao seguidores de outros. Daí a necessidade de os ingleses terem sua própria igreja e seu próprio cemitério.