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Continuação da História de Nova Lima IX
Continuação da História de Nova Lima IX

     Para receber a visita do Imperador D. Pedro II e da Imperatriz Teresa Cristina em 1881, a Casa Grande passou por uma reforma, quando foi construída a varanda. Atualmente abriga o Centro de Memória Morro Velho e funciona como casa de hóspedes.

     Na segunda metade do século XIX, Nova Lima recebeu um contingente razoável de trabalhadores estrangeiros, já que o governo estimulava a imigração para substituir o trabalho escravo pelo trabalho assalariado, desde a suspensão do tráfico negreiro em 1850. Além dos ingleses trazidos pela Companhia, chegaram à cidade imigrantes espanhóis, italianos e chineses.

     A freguesia foi elevada a Vila, em fevereiro de 1891, pelo decreto estadual nº 361, recebendo o nome de Vila Nova de Vila, Mais tarde em 1913, uma lei estadual simplificou o nome para Nova Lima.

     A Saint John D'el Rey, dirigida por ingleses de 1834 a 1958, atuou junto à comunidade na organização de vários setores de infra-estrutura urbana, principalmente a partir do século XX: o fornecimento de energia elétrica foi garantido pela Compainha tão logo suas usinas entraram em operação; a utilização do trem elétrico foi estendida à população de Nova Lima e Raposos; e o serviço de abastecimento de água também foi desenvolvido por ela:

     "Quando a cidade não tinha água dentro de casa, havia os tanques coletivos para lavar roupas e os chafarizes que os ingleses construíram. Mesmo a parte que não era da Morro Velho, tinha chafarizes para ter águas claras... Nessa região tinha muita água, muitos regos, cachoeiras, e os meninos não jogavam nenhuma pedrinha dentro dos córregos, porque os rondeiros, agora vigilantes - rondavam para baixo e para cima..., então era tudo limpinho.

     A Saint John D'el Rey investiu também no bairro do Retiro, construindo casas destinadas a seus empregados, desde o trabalhador braçal até os chefes da administração:

     "Existiam duas Nova Lima. A cidade propriamente dita, e a Morro Velho. (...) O morador do Retiro, bairro ligado à Compainha, era diferente, a educação, a diciplina. (...) Moravam no Retiro desde o operário até o empregado administrativo, as chefias e os ingleses. Havia uma distinção: quem tinha com varanda mandava".

     A colônia inglesa tinha suas casas neste mesmo bairro, em uma parte denominada Quintas, onde os serviços urbanos eram prestados pela Companhia:

     "Na área do Retiro, tinha um homem para limpar o esgoto de manhã, tinha o jardineiro para olhar o que estava precisando, tinha a carroça de lixo que passava na porta... e tinha as varredeiras que mantinham as estradas sempre limpas".

     Para resolver problemas de abastecimento, a Compainha, por muitos anos, manteve, sob sua responsabilidade, sítios com cultivo de frutas e legumes, produção de leite e carnes e fabricação de queijo, manteiga, linguíças; da mesma forma, apoiou as atividades da Casa Aristides - criada no final do século XIX e funcionando até os anos 60 -, que dominou o comércio da região, sendo responsável pelo fornecimento de todo o tipo de mercadorias para a população de Nova Lima, inclusive para a comunidade inglesa. Na visão de seus conterrâneos:

     "A Casa Aristides foi a precursora de uma loja de departamentos, onde se achava de tudo: o armazém, secos e molhados como eles diziam, gêneros nacionais e estrangeiros, artigos de luxo e populares. Tínhamos porcelana inglesa, línhos da Irlanda... bebidas finas e até a cachacinha".

     Outro aspecto relevante da presença da Compainha em Nova Lima foi a convivência entre a comunidade inglesa e a brasileira que deixou marcas no cotidiano da cidade. Hábitos alimentares da região têm origem nesta convivência:

     "O chá com leite, que fora de Nova Lima não tem, nós aprendemos com os ingleses".

     O bolo de natal conhecido como queca, ainda hoje tradicional em Nova Lima, tem sua origem numa receita aprendida com os ingleses:

     "Era cake, nós ficamos falando cake, cake... e virou queca. Acho que os próprios ingleses falam quca".

     Na área de lazer, a Compainha construiu um clube para a prática de esportes destinado à comunidade inglesa, e apoiou o Villa Nova Atlético Clube, time de futebol da cidade, doando o terreno para a construção do estádio:

     "Nos somos o Leão do Bonfim porque nosso campo tinha esculturas de leões e o leão é o simbolo da realeza inglesa".

     Esses exemplos da influência inglesa na região demonstram a importância da Compainha na formação da identidade cultural de Nova Lima. O antigo hino da cidade revela essa ligação:

     "Morro Velho adorável, alvo de amor e admiração, sua riqueza é imensurável, mina de Minas do coração. Nova Lima cidade do ouro, do trabalho (...) tu és uma corrente brasileira ligada à poderosa Gr^-Bretanha..."

     A presença inglesa em Nova Lima é bastante peculiar, pois, de acordo com a análise de Paulo Sarmento, os ingleses influenciaram e se deixaram influenciar:

     "Eles vieram para desenvolver uma comunidade e desenvolveram. Essa comunidade, criada aqui em Nova Lima, não é comum em outras partes do mundo. Talvez seja o único lugar do mundo que acolheu os ingleses e acabou absorvendo-os. Em outros locais é muito difícil, eles sempre se mantem agregados, mas naõ apenas segregação racial: é cultural, eles se isolam. E aqui não ocorreu isso. Gerações depois, há brasileiros com nomes como John, Mary, todos eles falando o inglês do século passado, mas muitos nem conhecem a Inglaterra. Há outros que tem nome inglês e não sabem falar inglês"

     Como eu disse em algumas ocasiões desta narrativa, apresentei relatos de duas diferentes origens que pesam na dosagem da conveniência com relação a observância das idéias pretendidas. Não podemos negar que Nova Lima existe em função de sua história ligada a exploração do ouro, mas devemos estar atentos que quaisquer que fossem as melhorias da empresa para com a população, esta ação era conveniente para a Compainha.

     No ano de 1958, em plena política desenvolvimentista do Governo Juscelino Kubitscheck, a Saint John D'el Rey Mining Company Limited, depois de mais de 100 anos de existência e atividade mineradora continua sob o comando e administração inglesa, passa para o controle acionário da empresa americana Hanna Mining Company, sediada em Cleveland, Ohio, com suas açõs negociadas na Bolsa de Londres.

     Encerra-se assim, nesse momento, um longo e bem-sucedido período de presença inglesa na região de Nova Lima, que deixou como herança bastante enraizada, um estilo próprio e característico de trabalho e administração, mas que se estendeu também significativamente para as relações com a comunidade nova-limense. São marcas culturais inglesas amplamente visíveis na arquitetura, na culinária, no vocabulário e em alguns costumes locais, mesclados de maneira muito original e peculiar, com a cultura tipicamente mineira com raízes que remontam ao período colonial setencentista.

     A Hanna Mining Company era então uma empresa que atuava tradicionalmente na área de mineração de ferro e estava especialmente interessada nas ricas e praticamente inexploradas jazidas ferríferas existentes nas terras pertencentes à Saint John D'el Rey e localizadas em torno de Nova Lima, no centro de uma ampla região do Estado de Minas Gerais, denominado Quadrilátero Ferrífero. As jazidas de ouro, então exploradas pela antiga empresa inglesa e agora pertencentes à Hanna, representavam um interesse periférico para a empresa americana, mas mesmo assim foram objetos de intensos estudos geológicos e de viabilidade econômico-financeira realizados no decorrer do ano de 1959. Nesses estudos, dados técnicos referentes ao potencial e ao teor auríferos das minas em exploração e a serem exploradas e referentes aos equipamentos tecnológicos utilizados foram cruzados com questões de políticas econômica e tributária do País e de política de preços do ouro no mercado internacional.

     O País passava então por um período de grandes turbulências sociais e políticas, cujos posicionamentos ideológicos levaram a radicalização de diferentes grupos na sociedade e durante e durante o qual questões trabalhistas e sindicais acrescidas de posições de defesa da nacionalização da economia interferiam diretamente na dinâmica de funcionamento das empresas estrangeiras instaladas no Brasil. Por outro lado, a permanência da fixação do preço do ouro ao valor do dólar (paridade de 35 dólares a onça, aproximadamente, instituída no mercado internacional desde 1934), numa época de queda do pode aquisitivo da moeda americana, resultaram em grande baixa da lucratividade das empresas de ouro no mundo e no Brasil, com sérios reflexos em cortes nos seus custos operacionais e nos seus investimentos em pesquisas geológicas e em tecnologia.

     O rico e promissor potencial aurífero da região de Nova Lima, em exploração ou ainda não explorado, não constituiu motivo suficiente para que a Hanna se decidisse por investir na mineração do ouro. A solução encontrada, inclusive com participação do Governo Federal, para que as minas não fossem paralisadas, com desastrosas consequências sociais para a região - desemprego para os então 8.000 empregados, refletindo num universo de 32.000 dependentes, estagnação econômica da cidade, etc - foi a transferência do controle da antiga Saint John D'el Rey e de suas terras auríferas para acionistas brasileiros, que estariam melhor capacitados para entender e negociar as questões relativas às políticas econômica e social do País naquele momento. Permaneceu com a Hanna grande parte do seu patrimônio territorial e, ainda durante algum tempo, 25% das ações preferenciais da antiga empresa, assim como a concessão de exploração das jazidas de ferro.

     Nesse contexto, a 31 de março de 1960, uma nova empresa denominada Mineração Morro Velho S. A. foi então constituída e autorizada a funcionar na indústria de mineração pelo Decreto Federal n. 48 326, de 21 de junho do mesmo ano, sendo transferidos para ela todos os direitos sobre as minas de ouro manifestadas e incorporados outros tantos bens e propriedades, em contrapartida ao passivo potencial que representavam as indenizações e demais obrigações trabalhistas. A mineração aurífera voltou a ser, então, a principal atividade exercida pela Mineração Morro Velho S. A., consistindo nos seus direitos de lavras o maior patrimônio da empresa, pela expectativa de fruição de lucros, decorrentes do aproveitamento de suas reservas de minério de ouro.

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