A trajetória da vida em Morro Velho é pontuada por eventos que demonstram a importância do fator humano e sua influência na história e organização, em todos os tempos, levando a direção da Empresa a estabelecer e atualizar as políticas e diretrizes relacionadas ao desenvolvimento de pessoal.
Desde 1834, com o início das operações organizadas com cunho industrial pelos ingleses, registram-se fatos lamentáveis, contudo houve ocorrências e tendências que demonstraram as preocupações com o suprimento, a manutenção e a fixação da força de trabalho. Naquela época, o trabalho escravo era considerado o mais disponível para a mina, uma vez que os trabalhadores livres, geralmente pequenos proprietários de terras, apresentavam características de pouca fixação no trabalho de mineração e de alto abstenceísmo, pois dividiam seu tempo entre a mina e as atividades agropecuárias. Constam, dessa época, os primeiros indícios de formação profissional (claro que este ato era vantajoso a Compainha), quando meninos escravos eram treinados para o exercício de funções mais especializadas, como carpinteiros, pedreiros e ferreiros e todos os escravos recebiam ensinamentos de como trabalhar na mina. Desde então a Saint John D'el Rey Mining, depois Mineração Morro Velho marca a sua vocação de formação de sua própria mão-de-obra (porque lhe era vantajoso).
Em 1838 existem registro de trabalhos feminino na mina em atividades em atividades de transporte e trituração de minério.
O trabalho era essencialmente braçal, sendo a força física, a saúde e a disciplina condições obrigatórias para um desempenho adequado, razão esta que levava a direção da Empresa a dispensar sua atenção para a manutenção e alimentação dos escravos, que viviam em duas vilas no bairro Timbuctoo. hoje bairo Boas Vista. Aos casados eram destinadas casas individuais e aos solteiros, alojamentos coletivos.
Cada escravo trabalhava doze horas diárias, em duas turmas de revezamento. Aos domingos era oficiada a missa, e a seguir havia festas com jogos, danças, ceia e bebidas, que eram servidas com moderação.
A Lei de Lord Brongham, promulgada na Inglaterra, atingiu as empresas inglesas no exterior, proibindo o tráfico de escravos e dificultando o suprimento de mão-de-obra para a Saint John D'el Rey. A partir de então foi intensificada a utilização de escravos de aluguel, e, mesmo com esta dificuldade o número de escravos continuou crescendo na mina.
O casamento era incentivado entre os negros, através de ofertas de brindes e de moradias individuais, mas a ocorrência de uniões era pequena em função da possível separação dos casais quando do término dos contratos de trabalho.
O custo com a manutenção da força de trabalho representava 60% do custo total da produção, demonstrando uma característica de mão-de-obra intensiva, que até há pouco tempo era realidade.
Em 1848, o número de trabalhadores cresceu significativamente em razão da redução da jornada de trabalho de doze para oito horas diárias, em três turnos, tendo a mina passado a contar com 1220 trabalhadores. Foi então instituida a prática de concessão de prêmios por produtividade e de adicional por hora exta, inclusive aos escravos, em valor significativo e que seria equivalente a 1/3 so salário de um mineiro.
O atento leitor verificará uma significativa diferença deste relato com o retratados nas páginas iniciais. Acontece que são duas fontes distintas e com forte dosagem pessoal. Registro ambas para que o leitor tire suas próprias conclusões, embora no final de todo o texto pretendo deixar minhas impressões.
Os escravos utilizavam-se deste dinheiro adicional para compra de roupas, diferenciadas e coloridas, para as mulheres usarem nas festas domingueiras, pois normalmente já tinham toda a sua subsistência atendida com o salário e com os benefícios que recebiam da Empresa, inclusive os três conjuntos anuais de roupas, sendo um de algodão, outro de lã e um último, de melhor qualidade, para uso aos domingos.
Nos anos seguintes, a necessidade de pessoal cresce com o aumento da produção, mas a contratação de escravos fica cada vez mais dificultada, fazendo com que a Saint John vá recrutar na Europa pessoal para a mina. Chega, em 1850, um grande número de trabalhadores: 20 ilhéus portugueses, 90 chineses, 35 broqueiros da Cornualha, além de alemães, franceses e austríacos.
O tratamento dado aos escravos evoluiu nessa fase, desaparecendo os registros de castigos físicos. Em 1848 foi construído um novo hospital, com 60 leitos, para o tratamento dos trabalhadores, iniciando o desenvolvimento das atividades de medicina do trabalho, com a prevenção de doenças ocupacionais. O hospital pela modernidade de suas instalações, passou a ser procurado por doentes de outras regiões do Estado e chegou a prover serviços médicos para o Governador, autoridades e muitas pessoas da elite da capital de Minas Gerais.
O abstenceísmo dos trabalhadores livres é novamente registrado, e especialmente os broqueiros (função preferida por ser melhor remunerada) eram considerados irresponsáveis e inconstantes ao trabalho.
O relatado acima é a visão da empresa com relação aos broqueiros que eram espanhóis. O que aconteceu na verdade é que os espanhóis eram empreendedores e iniciaram seus próprios negócios, principalmente no bairro Bonfim, como padarias, bares, etc. como o trabalho na mina era brutal, quando conseguiam dar sequência aos empreendimentos na cidade, largavam o trabalho na mineração.
As dificuldades de recrutamento de pessoal crescem dia-a-dia, e a Empresa busca atrair a mão-de-obra livre implementando, em 1862, novos benefícios, oferecendo casas recémconstruídas, maiores salários e facilitando as compras com desconto em folha na Casa Aristides, loja que vendia desde produtos alimentícios até utensílios importados da Europa.
Com estas medidas cresce a oferta de trabalhadores livres, chegando o número de brasileiros a 906 contra 1.450 escravos e 154 europeus, relação até então nunca atingida.
A introdução da dinamite no processo de desmonte de minério, em 1869, resultou em importante avanço e reduziu a necessidade de trabalhadores. A mão-de-obra feminina continuou a ser utilizada nas atividades de trituração do minério, e os trabalhadores livres, quase que exclusivamente, passaram a ocupar a função de broqueiros, cargo chave na mineração. Porém há, ainda, menção do uso de escravos como ferreiros, carpinteiros, broqueiros e até como capatazes.
Em 1884, chega à Saint John D'el Rey o Superintendente George Chalmers, que vem revolucionar as operações mineradoras, inclusive nas relações com os trabalhadores. Logo após a sua chegada, autoriza a criação do "Clube dos Broqueiros" uma entidade de previdência privada que visava ao pagamento de salários aos trabalhadores enquanto afastados por doença, de pensão às viúvas e das despesas de repatriamento de viúvas de estrangeiros.
O grave acidente de 1886 paralisou grande parte das atividades de mineração, reduzindo significamente as necessidades de pessoal. A abolição da escravatura, em 1888, em quase nada alterou o cenário da mão-de-obra na mina de Morro Velho. Nessa época, a mão-de-obra livre já representava 79% do total, e, com a abolição, grande parte do contingente de escravos remanescentes foi transformada em mão-de-obra livre, permanecendo na Empresa.
A escavação dos poços "C" e "D", entre 1889 e 1892, permitiu a reabertura da mina, criando novas necessidades de mão-de-obra. A Saint John volta a recrutar trabalhadores europeus e, em 1894, chegam as primeiras famílias italianas, os Zanforlin e, logo após, os Bernardi. Em 1900 chega a família de Castor Cifuentes espanhol que teve grande influência no crescimento da colônia espanhola na cidade, pois exerceu forte liderança e fez o papel de recrutador de pessoal na Europa, para onde viajava em busca de trabalhadores. Aqui cuidava da adaptação dos espanhóis à cidade e ao trabalho na Mina de Morro Velho.
As primeiras famílias de espanhóis podem ser citadas como a dos Balesteros, Othero e Perez.
Em 1896, foi criado o Clube das Quintas para oferecer lazer e esporte aos ingleses ocupantes de cargos de direção. A primeira quadra de "squash" do Brasil foi construída neste clube (tal esporte foi introduzido no Brasil pelos funcionários ingleses da Saint John D'el Rey).
Os novos tempos, com novas necessidades para a fixação da mão-de-obra, fizeram com que a direção da empresa pensasse também, na educação e lazer dos filhos dos trabalhadores e, em 1909, financiou a implantação da primeira escola pública e criou o Clube do Retiro.
O ano de 1920 marca o crescimento das colônias italiana e espanhola e a fundação das "sociedades". A Sociedade Italiana visava muito mais a educação dos filhos, a preservação da língua, das tradições e dos costumes, além do mútuo socorro e das atividades de previdência social. Já a Sociedade Espanhola dedicava-se prioritariamente à área social, tendo se destacado na sociedade de Nova Lima, pelo requinte de suas festas, inclusive a de Nossa Senhora do Pilar, porque esta era também padroeira da Espanha.
Cada colônia - italiana, espanhola ou inglesa - vivia em bairros distintos, normalmente em casas cedidas pela Saint John com aluguel simbólico. política que vigorou até os anos 80 para categorias de técnicos e pessoal de nível superior.
Nessa época, trabalhavam na Saint John D'el Rey, registrados, 157 italianos, 125 espanhóis, 187 ingleses e 82 portugueses.
Em 1930, a Saint John D'el Rey colabora na implantação da primeira escola de nível secundário em Nova Lima, o Liceu Imaculada Conceição, ainda existente, e que, naquela época, formava professores.
Durante o século XIX, Congonhas de Sabará era, na visão do explorador inglês Richard Burton, muito bem cuidada, com a matriz dedicada à Nossa Senhora do Pilar - cujo altar é atribuido ao mestre Aleijadinho, um teatro, vários estabelecimentos comerciais de estrangeiros, o hospital implantado pela Companhia e a igreja anglicana. O viajante também observou a influência inglesa na construção de casas no estilo anglo-indiano.
A Casa Grande, antiga residência do Padre Freitas, construída no século XVIII, foi preservada, ampliada e utilizada como sede da superintendência pela Saint John D'el Rey, Burton, ao chegar em Congonhas de Sabará no século XIX e se hospedar na Casa Grande, escreveu:
"O cenário feriu meus olhos não familiarizados com uma mistura de Petrópolis Brasileiro e de Neilgherry de Ootacamund; há algo de inglês nas casas muito bem cuidadas tendo em frente canteiros e flores cercado de grades e um regato escuro em leito de ardózia; com um sabor de Suíça na claridade do ar e nos caminhos amarelados em ambas as margens do vale do ribeirão. Seria possível que estivéssemos a tão pequena distância da Grande Mina? Onde estavam as feições habitacionais, a fumaça venenosa, a vegetação de um verde ferruginoso? Tudo em torno de nós ostentava uma verdura variada, aqui uma fila de aloés, como a babosa, cujas folhas verdes e amarelas lhe deram no Brasil, o título de árvore da independência".