A reunião começou por volta das 20 horas. A essa altura, a situação já tinha azedado de vez. Todavia, as informações ainda eram contraditórias. José Alexandre recebera aviso do Zacarias Roque, do ITAPETEC de Belo Horizonte, no sentido de que não saísse de casa. Corria perigo. Cônscio de sua responsabilidade, respondeu que sua casa era o Sindicato e que não iria se acovardar. Quando passava essa informação ao colegas reunidos, recebeu o comunicado da prisão do deputado Sinval Bambirra. Propôs, então, um manifesto de solidariedade aos companheiros perseguidos e aos já presos.
Jésu Gonçalves, preocupado com possíveis ações repressivas contra os membros da diretoria do Sindicato, sugeriu que, no caso de prisão de alguns deles, os suplentes deveriam assumir automaticamnte os cargos, e, caso a prissão fosse de toda a diretoria, os companheiros sindicalizados deveriam tomar conta daquele órgão de classe. Pediu ao presidente que solicitasse ao comando nacionalista que ficasse vigilante na sede do Sindicato.
O presidente José Alexandre tomou essas e outras medidas acauteladoras à autonomia do Sindicato, embora já não servissem para garantia do funcionamento normal daquilo que consideravam seu bastião de resistência.
Alberto Lopes, ativo como sempre, concordou com as sugestões apresentadas e acrescentou que o Sindicato deveria convocar todos os trabalhadores para estarem unidos e em assembléia nesta hora. Falou da desgraça que representava para os trabalhadores aquele golpe comandado pelas forças reacionárias e entreguistas. Disse ainda que ouviu pelo rádio que os comandantes do 4º Exército estavam de plantidão para garantia do Governador Magalhães Pinto - este sempre esteve apaniguado com os poderosos - concluiu.
Sem conhecerem a extensão do golpe e convencidos de que ainda podiam resistir, aprovaram a convocação imediata de uma Assembléia Geral e indicativo de greve, em protesto à deposição anunciada do Presidente da República João Goulart.
Coerente com suas raízes trabalhistas, José Avelino pediu a leitura da Carta Testamento de Vargas. Em meio a muita emoção, foi lido o documento. Em seguida, José Alexandre designou uma comissão, com a participação de Dazinho, para prestar solidariedade ao companheiro Deputado Sinval Bambirra, preso na primeira hora. O Departamento Feminino ficou encarregado de fazer uma visita à família de Bambirra.
Preocupado com a provável infvasão do Sindicato pelos golpistas, Armando Gerônimo sugeriu que, caso não houvesse incoveniente, se retirassem do edifício sede alguns objetos. Foi autorizado a fazê-lo
Aprovada por unanimidade a convocação da Assembléia Geral Extraordinária para o dia seguinte, às dezesseis horas, o presidente e outros diretores permaneceram de plantão, recebendo outras informações pessoalmente ou por telefone. A ata desta reunião foi redigida de forma sintética por Raimundo Gertrudes e assinada por todos os presentes.
Assim que terminou a reunião, José Alexandre passou a ser interrogado por outros operários que chegavam para uma reunião do "Grupo dos Onze", marcada pelo Dr. Juvenal, e por muitos outros que queriam saber sobre os acontecimentos daquele dia. Deparou-se, entre eles, com o eletricista da Morro Velho, José Crisóstomo Nogueira que, tendo ido ao cinema próximo do Sindicato e, não gostando do filme, ficara em um bar ali bem em frente, vendo a movimentação de pessoas na sede do sindicato. Curioso foi ver o que estava acontecendo. Encontrou-se com José Alexandre e recebeu dele o pedido, em termos educados, de que não permanecesse naquele recinto, visto que estava sendo realizada uma reunião secreta só para os membros dos "Grupos dos Onze", onde tudo se falava com muita franqueza.
José Crisóstomo, então, ficou ali por perto, acompanhando meio de longe a conversa de José de Alexandre com outros operários. Foi quando ouviu o presidente do Sindicato dizer que a situação estava ficando confusa e que ia faltar gasolina, porque todo o combustível já havia sido requisitado pelo Governo do Estado. Estavam todos preocupados, pois isto representava uma grande complicação, uma vez que os operários faziam suas compras domésticas em grupo, em Belo Horizonte.
Não faltou quem teve a feliz idéia de convidar o prefeito da cidade ao Sindicato, para ajudar a resolver o problema. Contactado no Sandu, onde naquela noite fazia plantão como médico, o Dr. Sebastião compareceu em poucos minutos à sede do Sindicato assentado entre José Alexandre eo Dr. Juvenal, foi logo dizendo que estava regressando de Belo Horizonte e que a situação parecia realmente ruim.
O prefeito tranquilizou os trabalhadores, colocando-se à disposição para ajudar a resolver a questão das compras em Belo Horizonte. Prometeu que se necessário fosse, entraria em contato com o Governador, com quem mantinha boas relações, para garantir o abastecimento na cidade. Assegurou que não era objetivo do governo levar a população de Nova Lima a passar falta de alimentos e, se preciso, colocaria os caminhões da Prefeitura para transportar os gêneros alimentícios, fosse de onde fosse.
Mais tarde, após a reunião, a sós com Dr. Juvenal, José Alexandre perguntou ao médico, coordenador do movimento, por que tão poucos membros dos Grupos dos Onze haviam comparecido à reunião, foi informado, então, que o telefonema de Darzinho, com a incumbência de relatar aos membros dos grupos a gravidade dos acontecimentos, fora recebido já muito tarde, não tendo tempo havido tempo de avisar à maioria.
Já se passava das 11 horas da noite quando o presidente José Alexandre deixou a sede do Sindicato. Preocupado com os acontecimentos do dia e ansioso pelas decisões que seriam tomadas na assembléia do dia seguinte, não conseguiu dormir. Foi assim que lá pelas duas horas da madrugada, ouviu pela rádio Maurink Veigra a recomendação do Conferência Nacional dos Trabalhadores da Indústria, presidida por Clodsmidt Riani, para que todos os sindicatos entrassem imediatamente em greve, em repúdio pelo golpe que derrubou o presidente João Goulart. O presidente dos mineiros começou, então, a reprogramar as ações do dia seguinte: Seria preciso que, logo cedo, bem cedo, fizesse a mobilização para a assembléia que, prevista anteriormente para as 16 horas, devereria ser antecipada para as 10 da manhã.
Naquela madrugada do dia 1º de abril de 1964, muitos moradores de Nova Lima estiveram em vigília, acompanhando o noticiário pelas rádios. O escrivão Caio Guimarães Chagas e o delegado Ismael Leonel de Paula não arredaram pé da delegacia de Polícia, atentos às notícias e a todo e qualquer movimento estranho na cidade. O prefeito Sebastião Fabiano Dias, por sua vez, não conseguiu mais dormir depois do telefonema que recebeu, altas horas da madrugada, do deputado Wilson Chaves e Januário Laurindo Carneiro. Do Palácio da Liberdade, onde se encontravam, os políticos manifestaram preocupação com a situação nacional e informaram ao Prefeito que o País estava sob o comando de um estado revolucionário. Queriam saber, também, as condições de garantia e segurança para a Mineradora Morro Velho e ficaram satisfeitos ao saber que, até aquele momento, não havia sido observado qualquer perigo eminente.
A manhã do dia 1º de abril de 1964 começou agitada em Nova Lima. O presidente José Alexandre, às seis horas, já estava fazendo contatos com os membros da diretoria do Sindicato para repassar as orientações da CNTI no sentido de que a greve fosse imediatamente deflagrada. A assembléia deveria ser antecipada e, com menos tempo para a convocação, era preciso agir com rapidez. A primeira e urgente providência foi corrigir os cartazes de convocação para a Assembléia, confeccionados na véspera, pois a reunião fora antecipada para as dez da manhã.
Depois de distribuir os companheiros para a mobilização em todas as minas, José Alexandre dirigiu-se a sede da Morro Velho, onde procurou Donald Kochesperge, superintendente da Cia., a fim de entender-se com ele sobre a decretação da greve, assunto tratado publicamente. Ficou acertado que os serviços essenciais seriam mantidos, uma vez que a greve não era contra a mineradora e tinha caráter estritamente político.
Vicente Faria, Jesú Gonçalves, Ademir Lima e outros membros da diretoria do Sindicato saíram a campo convocando os mineiros em seus locais de trabalho. A princípio, os operários ao serem informados do Golpe Militar e da queda de Goulart, não acreditaram nos líderes. Claro, primeiro de abril, pela tradição, é o dia da mentira e nínguém acreditava nas notícias deste dia. O jornal que se dispõe à brincadeira estampa em manchete matéria inveridica, de duplo sentido e sensacional. - "O Vila Nova contratou Pelé; o Papa renunciou, o munheca de sambambaia do Tio Tote comprou um carro último modelo paa Zeca, seu sobrinho e afilhado; você viu a última notícia? O mundo vai acabar no ano que vem", e assim por diante.
- O presidente foi deposto - informavam os líderes sindicais, e os trabalhadores respondiam com galhofas e mergulhavam na mina, brincando entre sorrisos: - Não me venham com Primeiro de Abril.
A mobilização ficou muito prejudicada por causa dessa tradição.
Naquele ano de 1964, contudo, o Primeiro de Abril era tão real e verdadeiro, que trouxe uma mentira que duraria mais de 20 anos. Só no correr do dia, com outras e repetidas informações, muitos operários se deram conta de que aquele não era um primeiro de abril tradicional.
Centenas de operários largaram o trabalho nas minas e se dirigiram para o Sindicato. A sede parecia um formigueiro e às 10 horas em ponto José Alexandre pode abrir a reunião, explicando aos trabalhadores que aquela assembléia tinha por objetivo hipotecar solidariedade ao presidente João Goulart e que todos poderiam usar a palavra para comunicar o que sabiam sobre o que estava acorrendo no País, pois com mais informações estariam melhor preparados para definirem a reação da categoria frente ao Golpe Militar.
Enquanto os operários se aglomeravam na sede do Sindicato, o prefeito Sebastião Fabiano Dias, que mal conseguira pegar no sono durante a madrugada, levantou-se por volta das nove horas da manhã e a primeira coisa que fez foi telefonar para a Cia. Morro Velho, para saber do gerente Cecio Jones como estava a situação nas minas. Informado de que o presidente do Sindicato havia lhe comunicado a deflagração da greve, o Prefeito quis saber se havia necessidade de garantir da companhia. O gerente Jones dispensou qualquer reforço policial, afirmando estar certo de que a compreesão dos operários, era de defender a empresa, pois a greve era um gesto político contra o golpe militar. Ainda, assim, sugeriu ao Prefeito que tentasse dissuadir os operários de fazer a greve, que deveria ser decidida na Assembléia das 10 horas.
Pego de surpresa com a notícia da antecipação da Assembléia, o Prefeito trocou rapidamente a roupa e foi para a sede do Sindicato, aonde chegou em pleno discurso de José Alexandre esclarecendo a todos o acordo que havia feito com o gerente Cecio Jones, para que fossem mantidos os serviços essenciais da mineradora, conclamando os operários para manterem tranquilidade, evitando qualquer excesso ou choque com a Companhia.
Vendo a disposição do presidente do Sindicato, o prefeito Sebastião Fabiano pediu a palavra, e apelou aos presentes que retornassem às suas casas, evitando a greve, voltando ao trabalho, pois estariam zelando pela paz de suas famílias. Se não quisessem lutar pela tranquilidade assim exposta por suas próprias pessoas, que zelassem pela paz de suas famílias. Sugeriu ao Presidente que suspendesse a greve, já que em seu discurso José Alexandre havia dito que queria o entendimento entre empresa e trabalhadores. Terminou sua fala em tom patético, dizendo que aquele seu apelo era feito com todo o coração e na conquista daquelas amizades formadas pelo longo tempo que residia em Nova Lima e pelo exercício de sua missão de médico.
A fala do prefeito gerou tumulto. Indignado, Orlando de Sá Correia o interpelou agressivamente, pedindo que se definisse com respeito ao golpe militar: afinal, de que lado este estava, dos operários ou dos "goliras"? Como era possível que o Prefeito estivesse ali, propondo a omissão, a apatia diante de tal brutalidade sofrida pelo País e pelos companheiros, pois corria a notícia de que Dazinho, Bambirra e Chicão tinham sido mortos?
o prefeito voltou ao microfone e disse aos operários que havia sido eleito por uma coligação na qual fazia parte o senhor Presidente da República e que, portanto, não precisava declarar sua posição política, porque esta era mais do que clara. Quando às mortes dos companheiros, podia dizer que nada sabia sobre Chicão, mas tinha notícias de que Darzinho e Bambirra estavam presos, não por revanchismo da revolução, mas em benefício da segurança de suas vidas. Que embora os motivos que instruíssem a prisão dos dois pudessem ser injustos, havia o sentido da garantia de vida deles, o que deveria ser motivo de tranquilidade para os companheiros exaltados daquele momento.