Enquanto o prefeito discursava para os operários, o deputado estadual Wilson Chaves ligava insistentemente para o Sindicato, querendo contatá-lo. Não satisfeito com as informações tranquilizadoras que lhe havia dado o prefeito no telefonema da madrugada, o parlamentar deslocou-se bem cedo para Nova Lima, a fim de conferir as condições de garantia da Cia. Morro Velho, tal era o zelo das autoridades pela mineradora. Não encontrando o prefeito no Sandu, foi direto a sede da companhia, para encontro com o gerente Cécio Jones.
Terminado seu discurso, o prefeito Sebastião Fabiano passou pelo Sandu, onde esperava estar com o deputado. Não o encontrando mais, supôs que tivesse retornado para Belo Horizonte. Dirigiu-se então para a casa do sargento Djalma, comandante do destacamento local da PM, com quem ia se entender para examinar o que poderia ser feito em caso de alguma ação imprevista. Foi lá que ficou sabendo que os operários tinham decidido fazer uma passeata pela cidade.
O prefeito voltou correndo para o Sindicato e, através de Vicente Faria, mandou dizer ao presidente José Alexandre que a assembléia e a greve eram por demais intempestivas, quanto mais a passeata, e por isso, intercedia no sentido de que fosse impedida tal manifestação pública. Saindo do Sindicato, o Prefeito encontrou-se com o deputado Wilson Chaves e dali foram para a casa do gerente Cecil Jones, cruzando, no caminho, com soldados da Polícia Militar que, vindos da capital, chegavam em dois ônibus a Nova Lima. Da casa do gerente da Morro Velho, o prefeito seguiu com o deputado para o fórum, onde se encontrou com o juiz de direito e com o promotor Dr. Saad Bedran.
Na delegacia, bem cedo, o delegado Ismail Leonel de Paula, ao saber que o Sindicato dos Mineiros iria fazer uma passeata nas ruas em desagravo ao movimento revolucionário, tratou de solicitar do DOPS de Belo Horizonte um reforço policial para a cidade.
Naquela manhã de 1º de abril, os discursos, todos eles, eram fortes, agressivos, em defesa da legalidade e verberavam contra o golpe militar. Com o noticiário dos acontecimentos nacionais, a partir de Brasília, muito confusos, os mineiros pensavam ainda ser possível salvar o mandato do Presidente da República.
O discurso do Dr. Juvenal na Assembléia foi estremamente duro e violento e ofencivo à honra e à dignidade dos chefes da Revolução, conclamando todos que ficassem solidários com Presidente da República, que acabara de ser deposto.
Com o passar das horas, as manifestações ficavam mais inflamadas e contundentes. O presidente José Alexandre, para manter os operários mobilizados, dizia que o poder deveria estar nas mãos dos trabalhadores, e fazia graves acusaçõs às autoridades estaduais e aos elementos do comando do Exército Nacional, chamando-os de "gorilas" e "pelegos". Em seu discurso, atacou violentamente o vereador Heraldo Otero, dizendo que o mesmo não tinha autoridade para falar em nome dos operários, como havia feito ao dar entrevista a uma rádio de Belo Horizonte, apoiando a Revolução.
A turma do "timbre da exaltação", como a ela se referiu Lincoln de Souza, telefonista há 10 anos da Compainha, formada por ele próprio e por José Nilo do Rosário, Joaquim Boa Conversa e Felix Feliciano, também não deixou por menos, fazendo intervenções contundentes, conclamando os operários a se manterem em Assembléia Permanente até o fim do movimento revolucionário.
Nesta tumultuada assembléia do dia 1º de abril, falaram, ainda, Militão, Ricardo Henrique Nicholls, Vicente Faria, Joaquim Bernardo e Jésu Gonçalves. Enquanto os ânimos ferviam na Assembléia, outros diretores do Sindicato, como Ademar Lima, Armando Jerônimo, José Alexandre Diniz, Geraldo Antônio Silva, Avelino Lucas Pereira Rosa, Antônio Maria da Silva, Oziel Assis Vaz, Caetano José Pires e alguns companheiros faziam piquete nas bocas das minas da Morro Velho em Nova Lima, Raposos e Honório Bicalho.
Tiveram que retardar o início da passeata. Marcada para as 13 horas daquele 1º de abril de 1964, os mineiros aguardavam em assembléia a chegada ao Sindicato do prefeito Sebastião Fabiano e do deputado estadual Wilson Chaves, que haviam confirmado a presença. A praça defronte ao Sincidato já estava lotada. Lá dentro os discursos saíam pelas janelas e pela porta de entrada. Eram veementes na defesa da legalidade. Injuriosos aos golpistas.
A proposta da passeata pelas ruas de Nova Lima havia sido feita pro D. Maria Silva, que entendia que os operários deviam expor publicamente sua indignação com o golpe militar. A sugestão foi acatada com entusiasmo por todos. Depois de falar na reunião e de insistir para que a passeata fosse realizada naquela hora, logo após a assembléia, pois "caldo de galinha é bom enquanto está quente", D. Maria foi para uma sala na sede do Sindicato onde havia um rádio ligado e ficou ali ouvindo as últimas notícias, até que foi chamada para descer, pois o grupo já ia partir.
Passava um pouco das treze horas quando o golpe militar de 64 se fez, então, presente, de fato, nas ruas de Nova Lima, com a chegada de um batalhão da Polícia Militar que, vindo de Belo Horizonte, obedecia ordens de acabar com a assembléia e de impedir a passeata. Os soldados tomaram as imediatamente posição de combate, instalando metralhadoras em direção ao Sindicato. Em ordem única, marcharam até onde se econtravam os trabalhadores, de baioneta calada. Houve resistência. Pequena. Não havia força para resistir. Ouviu-se um tiro e, em seguida, uma bomba. As pessoas correram apavoradas. A bandeira do Brasil e a bandeira do Sindicato foram arrancadas das mãos dos manifestantes; os retratos de Getúlio Vargas e do João Goulart foram quebrados. Logo, a guarnição militar, sem maior esforço, controlou a situação e acabou com a "festa". O capitão Cristiano Martins da Silva, comandante da tropa, dirigiu-se então ao prédio do fórum, ao lado da sede do Sindicato, apresentou-se ao juiz de direito Dr. Luiz Vilares da Fonseca e ao promotor de justiça Dr. Saad Bedran e cientificou-os de que as ordens eram para acabar com o movimento grevista, de qualquer forma, ainda que chegasse ao extremo da chacina. E mais que decorridos 10 minutos, procederia à invasão da sede do Sindicato onde se encontravam, ainda, alguns operários.
Depois de muita insistência por parte do promotor, o capitão permitiu que as autoridades judiciárias se dirigissem ao Sindicato, de onde saíram acompanhados dos operários que lá ainda se encontravam. Entre eles, porém, somente um, Jesú Gonçalves, era diretor, e, mesmo assim, sem expressão representativa. Entre os outros 10 operários, estavam os líderes Vicente Faria e José Nilo do Rosário. Foram todos cientificados da disposição da polícia caso não terminassem imediatamente a greve, e foram intimados a se retirarem.
O prédio sede do Sindicato dos mineiros de Nova Lima foi trancado pela polícia. Muitos operários, quando viram a "coisa preta", fugiram. Não tinham outro caminho que não fosse o descaminho. Os operários que permaneceram na imediações viram quando o prefeito Sebastião Fabiano e o deputado Wilson Chaves passaram em um automóvel Aero-Willis, e ouviram companheiros dizendo que aquelas autoridades tinham traído o movimento, mentindo que participariam da passeata e retardando sua saída, só para dar tempo do batalhão chegar e acabar com a manifestação.
Ao ver a violência dos soldados na praça do Sindicato, dispersando a passeata, Dona Maria Silva abrigou-se na casa de Adão e ali de demorou por muito tempo, porque a polícia havia interditado a rua. Mas tarde, ao chegar em casa, aturdida com os fatos, ouviu pelo telefone uma voz lhe avisando que seu nome era o quinto de uma relação de trinta e tantas pessoas a serem presas e que duas já tinham passado algemadas. Dona Maria Silva tratou, então, de sair da cidade, e somente no dia 27 de abril, uma terça feira, se apresentou à autoridade policial para prestar esclarecimentos que fossem necessários. Ficou à disposição do presidente do inquérito até o dia 26 de maio, quando foi chamada para depoimento. Durante este período, ficou impedida de comparecer ao estabelecimento de ensino onde trabalhava.
A conduta dúbia das duas autoridades locais, prefeito e deputado, no epsódio da passeata do dia 1º de abril permaneceu para sempre na cabeça dos envolvidos naquele processo. Graças ao atraso dos dois, a passeata ficou retida na praça principal da cidade, dando tempo para que os soldados da Polícia chegassem de Belo Horizonte e impedissem a manifestação. Afinal, perguntavam-se os mineiros, prefeito e deputado queriam resistir solidários aos seus eleitores, ou colaboraram com os agentes do golpe?
Dentro da enorme confusão reinante em Nova Lima, naqueles dias seguintes ao Golpe Militar, em cima de informações falsas e desencontradas, o vereador de oposição, Heraldo Otero, ligado às forças golpistas, propôs, no fim de maio, o impeachment do prefeito, dizendo-se representante da ID-4, divisão militar sediada em Belo Horizonte. Depois de mentir e ameaçar tosos os vereadores, conseguiu aprovar o impedimento, em votação tumultuada e precipitada, no dia 29 de maio de 1964.
No dia seguinte, porém, uma comissão de vereadores foi à ID-4 confirmar as informações do colega Heraldo, e ouviram que o falsário vereador não podia falar em nome da autoridade militar. Voltaram os vereadores à Nova Lima, convocaram a Câmara extraordinariamente, em caráter de urgência, e cancelaram o impeachment. É significatico o fato de o vice-prefeito, Sr. José Duarte Bastos, companheiro do ex prefeito Cecil Jones, ligado a empresa mineradora, ambos do PSD, tenha condenado a atitude irresponsável dos vereadores que cassaram o mandato de Sebastião Fabiano.
O vereador Heraldo Otero e seu irmão Wilson eram conhecidos na cidade como informantes da polícia, radicais de direita, sempre dispostos a colaborarem em qualquer ação contrária aos interesses dos trabalhadores. Mantinham ligações e mereciam a confiança da empresa mineradora.
Quanto ao prefeito Sebastião Fabiano Dias, ele continuou no mandato, colaborou com as forças militares, e não perdeu de todo a confiança dos operários.
As 10 horas do dia dois de abril de 1964, Jesú Gonçalves, na condição de diretor do Sindicato dos Mineiros, divulgou uma nota suspendendo a greve, alegando que a decisão havia sido tomada à revelia de assembléia, pois as autoridades haviam proibido toda e qualquer reunião. A liberdade de expressão estava cerceada. A ditadura mostrava a sua cara em Nova Lima.
Os operários voltaram ao trabalho. Porém, a cidade continuava "como que enlutada, os setores operários visivelmente sentidos com o resultado da Revolução, evitando, qualquer comentário".
O comando da revolução em Minas Gerais foi ágil nas providências para sufocar qualquer resistência ao Golpe. Ainda no dia 1º de abril, poucas horas após a deflagração do movimento militar, o Delegado de Polícia Diocélio de Oliveira Cabral, considerado competente caçador de comunistas, com experiência em outros confrontos políticos ocorridos entre mineiros e a Mina Morro Velho, recebeu um bilhete manuscrito do Delegado Assistente Helvécio Arantes, comunicando-o de que o secretário de estado da segurança pública necessitava de sua presença em Nova Lima.
A repressão do regime militar iniciada no dia primeiro de abril, imediatamente ao fim da assembléia no sindicato e da frustrada passeata, já com os líderes Darzinho, Riani e Bambirra presos, e sob o comando do Delegado Diocélio, se estenderia por vários dias. Foi desencadeada verdadeira caçada aos operários que lideravam a resistência ao Golpe Militar. Os que tinham história de ligação com os comunistas foram os primeiros a serem perseguidos. Muitos fugiram e se esconderam no mato ou em lugares recônditos das invernadas e dos campos.
José Alexandre, presidente do sindicato, que presidiu a reunião de 31 de março e a assembléia de 1º de abril, saiu pela porta dos fundos, escafedeu-se, passando, nos dias subsequentes, uma verdadeira aventura em locais selvagens, no meio de eucaliptos, de milho, no fundo de grota, em casa de doentes, de parentes, até parar em São Paulo. Sempre escondido, vivendo como bicho do mato, e acabando preso pelas forças revolucionárias.
Militão, comunista confesso, homem convicto e verdadeiro, foi logo preso e seus familiares ficaram em grande dificuldades para subsistência, a ponto de merecer a compaixão do responsável pelo seu encarceramento, que solicitou uma pensão alimentícia provisória como exeção à prática revolucionária. Muitos outros foram presos sumariamente, sem mandatos e sem registro, colocados no cárcere por dias, meses e anos.