Mas a política mercantilista impedia medidas desse tipo, não só porque a Coroa considerava que o cerne do problema era o contrabando - devendo portanto intensificar a repressão -, mas também pelo receio de franquea a região a estrangeiros, expondo-lhes suas riquezas. Alguns relatos da época, inclusive de alguns estrangeiros que vieram ao Brasil no início do século XIX, constataram a decadência da mineração e da vila de Congonhas das Minas de Ouro em Minas Gerais.
"Não se descobrem de todos os lados, senão morros com campos desertos, sem cultura e sem rebanhos. Se se avisam avistam algumas casas, ordinariamente estão em ruínas; os contornos das montanhas são em maior parte ásperos e irregulares; continuamente se avistam escavações para lavagens de ouro; a terra vegetal foi eliminada, com ela desapareceu a vegetação, e nada mais ficou senão montes de cascalho.
Este era o quadro desolador de Congonhas da Minas de Ouro, que por esta época se encontrava em plena decadência e tendo sua população em sua grande maioria migrado para outras regiões. O que estava ainda em atividade era a mineração na Morro Velho, mesmo assim com técnicas primitivas que não possibilitavam uma expressiva retirada de ouro.
Um fato ocorrido no Brasil Colônia, acendeu um chama de esperança para a exploração do ouro, pois somente com a abertura dos portos por D. João VI quando, de seu desembarque no Brasil em 1808 - é que se vislumbrou uma solução para a recuperação do ouro no Brasil. Portugal aliada e dependente da Inglaterra franquea a empresas britânicas a exploração do ouro nas Minas Gerais.
A Mina de Morro Velho, situada no então arraial de Congonhas de Sabará - atual município de Nova Lima -, começou a ser explorada aproximadamente por volta de 1725. Até as primeiras décadas do século XIX, a mina pertenceu a família Freitas, que realizou de forma irregular a extração do ouro pelos processos vigentes à época, utilizando a mão-de-obra escrava. Em 1830 a propriedade, que já contava com o grande solar que serviu de residência ao Padre Freitas - a Casa Grande - foi vendida ao Capitão George Francis Lyon - antigo superintendente da Mina de Gongo Sôco, na região de Caeté - que a explorou com algumas dificuldades. Quando de sua venda para a Saint John D'el Rey Mining Company, a mina estava sob a administração dos herdeiros de Lyon e foi transferida com todos os seu bens, incluindo escravos, rebanho, minério bruto, ferramentas e utensílios maquinário e armazéns.
Pouco depois da Independência, quando as portas do Brasil foram abertas para empresas estrangeiras, a mina deixou de pertencer a brasileiros. Aqui foi hateada a "Union Jack", a bandeira de Sua Majestade Britânica, ou melhor, da City de Londres. Assim a montanha de ouro caiu nas mãos da "Saint John D'el Rey Mining Company Limited".
Iniciando suas atividades em 1834, a companhia inglesa imediatamente começou a mudar os procedimentos, usando tecnologia das minas de carvão da Inglaterra, pois não se justificava lavrar a céu aberto quando os veios de ouro se aprofundam e estão engastados na rocha. Começam a perfurar a montanha, como cães farejam e desentocam a caça, mesmo tendo que cavar quilômetros de túneis, de poços e rampas inclinadas, atingindo a profundidade de 2.543 metros.
Para tanto, utilizavam pólvora e depois dinamite, e moinhos de pilões para triturar o minério. inventaram mesas com pele de cabrito para a lavagem do minério, sendo o ouro e a prata recuperados por meio de amalgamação.
Até a abolição da escravatura em 1888, a Compainha do Morro Velho tinha 2,5 mil trabalhadores, entre os quais 1.690 escravos. Esse fato causava protestos veementes nas cidades vizinhas, uma vez que a Inglaterra, durante anos pressionou o Brasil para suspender o tráfico negreiro, nada fazia contra o uso de escravos em seus investimentos em nosso país. Por isso o "Bacharel Feroz" de Sabará, Bento Epaminondas, organizou um campanha para arrecadar fundos a fim de alforriar os escravos da companhia britânica.
Naquela mesma dédaca deu-se ainda um fato espantoso na Justiça Mineira: um processo contra a Morro Velho movido por 165 cativos. Eles foram comprados, entre "móveis e semoventes", de uma firma inglesa, com a condição expressa de que seriam libertados após 14 anos de trabalho.
Diante da recusa da empresa em conceder a alforria, o Juíz de Sabará condenou a Morro Velho, e a sentença foi confirmada pelo Tribunal de Relação, em Ouro Preto. Inconformada, a empresa recorreu ao Supremo Tribunal, alegando que aquele contrato fora estabelecido entre britânicos. Contudo, a sentença desse tribunal, em 15 de outubro de 1881, de forma inflexível, decidiu em favor dos escravos, determinando que a Morro Velho pagasse indenização a cada um deles pelos 20 anos de trabalho não pago.
A trajetória da Companhia do Morro Velho é, portanto, uma história de 126 anos da espoliação mais brutal e desumana de gerações de trabalhadores. Tudo isso sucedeu para que ela alcançasse a contrapartida que desejava: segundo dados da empresa, obviamente não confiáveis, ela produziu em 126 anos, além de prata e outros minérios, 300 toneladas de ouro, o que representa 20% de todo o ouro extraído no Brasil, desde os primeiros descobrimentos.
Para conhecer os "feitos" da Morro Velho, comecemos pelos desastres ocorridos na mina: o primeiro deles se deu em 1857, com o desabamento do madeirame do teto, provocando a destruição de escadas, bombas e planos inclinados. Em 19 de abril de 1864, houve novo desabamento que vitimou oito operários. Em 13 de fevereiro de 1865, mais outra calamidade paralisou a mina.
Não ficou só nisso a série de desastres: segue-se o de 21 de novembro de 1867, com um incêndio nos vigamentos, matando 17 trabalhadores e um feitor inglês. Em 10 de novembro de 1886, sucedeu a maior catástofre de todos os tempos, quando morreram dezenas de operários, soterrados vivos, numa profundidade de 570 metros, interrompendo totalmente o funcionamento da mina durante vários meses. Foi por esta época que, normalizada a situação os mineiros ergueram um grande cruzeiro para lhes servirem de proteção na direção da entrada da Mina Velha, O Cruzeiro da Boa Vista.
As condições de trabalho na Companhia - na Mina Grande, na Velha, na do Faria, nos serviços de beneficiamento do minério e para a obtenção de subprodutos (arsênico) - foram responsáveis pela morte de milhares de trabalhadores, vitimados pela silicose e outras doenças, contraídas no ambiente insalubre de trabalho e em razão das normas impostas pela empresa exploradora.
É impossível descrever com poucas palavras a labuta dos mineiros na Morro Velho. O trabalho era ininterrupto, 24 horas por dia. Três turnos seguidos, cada um dos quais de oito horas, sem que nelas fossem incluído o tempo de deslocamento dentro da mina, quando o normal era o mineiro gastas uma hora para ir e outra para voltar. Subindo ou descendo pelos elevadores e caminhando pelos túneis e galerias.
A temperatura ia do frio intenso (nos locais com ar-condicionado) até o calor de mais de 40 graus, no fundo das galerias. Por isso, os mineiros necessitavam beber água de 15 em 15 minutos. Não lhes forneciam uniformes e trabalhavam apenas com um calção e uma camiseta, sem máscaras, luvas ou botas. Usavam apenas alpercatas de pano com solado de corda - as "urucubacas". Esses apetrechos tinham que ser comprados pelos trabalhadores, embora não durassem um mês, em razão do calor, do suor dos corpos e da dureza rochosa do piso e das paredes das galerias.
Não havia sanitários nas minas; os operários defecavam e urinavam nos locais de trabalho; as fezes se petrificavam e seu cheiro impregnava os corpos dos mineiros. O ambiente era mal iluminado e cada trabalhador usava um lampião de carbureto ou, posteriormente, uma lanterna.
A função da grande maioria, os carreiros, era carregar de minério os vagonetes de ferro, por meio de pás; depois empurravam os carros até o local em que seriam levados por animais, posteriormente por locomotivas elétricas. Um grupo de três carreiros precisava echer por dia, em média, 16 vagonetes e cada um deles pesava três toneladas.
Em vários livros e reportagens publicadas nos jornais, há depoimentos dos mineiros da Morro Velho sobre o quadro infernal do trabalho nas galerias e nos túneis. Yonne Grossi, em seu livro Mina de Morro Velho - a exploração do homem, registrou esta memória. Um dos mineiros declarou: "Lá vem o choco que esmigalha; a queda num poço que esquarteja; o atropelamento pelas locomotivas elétricas que mutilam e esfrangalham; o fogo falhado que estilhaça; o fio elétrico que carboniza; as portas da ventilação que amassam; os elevadores que decapitam; o gás grisu que asfixia e a pneumonia fatal (...)"
Outro mineiro descreveu um acontecimento muito comum: "Começa-se a sentir em todos os músculos exteriores umas ligeiras contrações sem dor. Perde-se a ampla liberdade de respirar. Ao teimar no exercício do trabalho, vê-se num dado momento, ex-abruptamente, arrebatado por intensíssima rigidez muscular. A vítima é arrojada violentamente sobre as pedras ásperas e cortantes do local de trabalho. Contorce-lhe todo o corpo, numa convulsão medonha. (...) A vítima para de se revolver (...) numa atitude inerte, mostrando em si todas as características de um cadáver. (...) Assim, é metida numa maca e conduzida pela o hospital".
Uma síntese desse panorama tenebroso foi dada de forma simples e direta por outro mineiro da Morro Velho, ao dizer: "A gente trabalhava vendo a morte nos olhos do outro".
O ambiente era sufocante, principalmente em razão da poeira de pedra. Somente homens muito fortes fisicamente aguentavam esse esforço sobre-humano. Segundo um relatório do Serviço Médico da Divisão do Fomento da Produção Mineral, de 1943, "nos exames procedidos em 908 mineiros, 304 (33,48%) apresentaram casos positivos de silicose - terrível doença profissional que, quando não leva de imediato as vítimas para o túmulo, o faz lentamente, ulcerando os pulmões com microscópicas partículas de sílica, inexoravelmente aspiradas por todos que trabalham na extração e na redução do minério".
A labuta de outras categorias era igualmente terrível: por exemplo, a daqueles que manejavam as perfuratrizes. Além da poeira, estavam constantemente em perigo devido aos desabamentos ou ao manuseio de dinamite na extração do minério.