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Continuação da Saga dos Mineiros I
Continuação da Saga dos Mineiros I

TATUAGENS NA ALMA

A saga dos mineirros da Mina de Morro Velho de Nova Lima 

Extraído do livro de Tarcísio Delgado

 

     O mineiro, antes de sair de casa para o trabalho, tinha que preparar a marmita e samburá ou embornal - uma espécie de tecido grosseiro, morim, de formato retangular, com alças para ser carregada a tiracolo.

     Ao se despedir da família e se dirigir ao trabalho, o mineiro nunca sabia se voltava para casa. Partia como se fosse para uma viagem, cuja probabilidade de morte era elevadíssima.

     Ao chegar à boca da mina, o mineiro passava por um barracão, com armário individual, onde guardavam seu uniforme de trabalho: calção, camiseta e alparcatas de pano com solado de cordas, a que dão o nome de urucubaca. Durava pouco, uma a duas semanas. O solo da mina é pedregoso com pedras pontiagudas. A roupa, também, pouca, acabava rápido, submetida à poeira e ao suor do corpo. O empregado pagava por seu uniforme. Do barracão, o mineiro ia ao escritório, onde recebia sua chapa numerada. Aquele número era permanente. Só mudava quando se mudava de setor de trabalho. Daí, passava pelo quarto de lampiões e pegava aquele com a plaqueta gravada com o número correspondente à chapa do mineiro. O lampião era fornecido pela empresa, reponsabilizando-se cada qual pela sua conservação do seu. Em caso de perda, a reposição era obrigatória.

     Cada um com seu lampião entrava na boca da mina. A mudança de temperatura era violenta. A primeira galeria era muito fria, dada a pequena profundidade. A refrigeração aí era muito forte, com ventos que desequilibravam a pessoa, que precisava esforçar-se para se manter de pé "O abate do gado é na primeira galeria", brincavam diante do inevitável.

     Em seguida, os mineiros entravam na gaiola para o fundo da mina, para enfrentarem, durante horas, calor de 40 graus, grande esforço físico, poeira e vapores. Na gaiola em que iam capitães ou patrões, uma vez por turno, não iam carros e carreiros. "A vida no realce, de onde se irava o minério, era como a vida de um animal. Lá trabalhavam os carreiros."

    Curioso e peverso é o que acontecia com os burros. Eles, sob certos aspectos, eram mais bem tratados que os humanos, porque eram indispensáveis à exploração da mina e não podiam ser responsabilizados por nada. E era o maior amigo do carreiro, porque o ajudava a ganhar o pão. As entidades de proteção aos animais não davam conta de que aqueles animais viviam lá no fundo da mina, sem ver a luz do sol, a não ser duas vezes por ano, no Ano Novo e no dia de São João. Os mineiros diziam serem estes dois dias festa para eles e para os burros. "Tinha até foguete!" Vindos da roça, mineiros tinham amor pelos animais. Colocados num pátio, à vontade, os burros meio cegos no início por causa da claridade, logo se acostumavam. Sem qualquer contato com semelhante durante tanto tempo, quando o bicho se via no meio dos seus ficava doido. Levavam éguas no cio para eles nessas oportunidades. Eles não perdiam tempo. Os carreiros ficavam assistindo e até faziam festa. Gritavam o nome do burro, e completavam: "Tirando o atraso, hêm?" À noite, voltavam para a mina. Os burros refugavam, não queriam entrar nas gaiolas. Sofriam como os homens quando iam para aquele inferno.

     - Cuidado. Aí vem o Chapéu! - era o grito surdo daquele que via a aproximação da maior autoridade na mina. Era o Capitão Geral. Usava o chapéu regularmente e cobrava produção de todo mundo. Era inglês e tratava o mineiro como escravo. Com sotaque e sem concordância, pronúnica "à lá inglês", sempre acompanhado por um auxiliar, chegava chamando o feitor pelo nome, e em voz alta para que todos daquele realce ouvissem: - Henrique, produçon está um merda. trapalha produçon. Precisa mandar embora. Aqui não ser lugar para maricas - e seguia adiante. Os trabalhadores se matavam. Cada um queria provar que era mais homem do que o outro. O esforço era tanto que muitos sentiam câimbras horríveis.

     Dazinho, o grande líder dos operário dos mineiros, católico de forte formação cristã que, a partir da década de 50, estreitou relações com os comunistas na defesa da causa operária, sabia respeitar e não acentuar as diferenças. -"Vamos valorizar o que nos une, a defesa dos interesses dos trabalhadores diante da empresa. A diferença é no plano da fé cristã. Sempre aceitei os comunistas como gente" - costumava repetir.

     Nos últimos anos da década de 40 e nos 50, os comunistas que lideravam o movimento da classe operária em Nova Lima sofreram muitas baixas em virtude da agressividade da empresa, com o aberto apoio das autoridades públicas e da igreja católica, sob o comando do reacionário pároco local. Assassinatos e demissões de líderes comunistas forçaram um recuo estratégico dos que sobraram. Foi nesse período que Dazinho, com posição adversa à do pároco, implantou a JOC - Juventude Operária Católica - e começou a atuar no sindicato, tendo o respeito e, até mesmo, estabelecendo parceria com os comunistas. Estes, por sua vez, travavam uma disputa séria com a direção do movimento. Entre ser comunista globalizado, recomendação daquelas direções, e comunista mineiro de Nova Lima, os trabalhadores ficaram com esta última posição, mesmo em confronto com a rígida hierarquia e o verticalismo das decisões do Partido Comunista, vindos do exterior.

     - Antes de ser comunistas somos mineiros. Traídores aliados da empresa, aqui já existem muitos entre nós. O Sindicato de Cima, que quis nos dividir; a UNAS; a Igreja; os pelegos. Não somos nós que vamos colocar lenha na fogueira deles - diziam.

     A orientação que vinha de cima do Partido Comunista era no sentido da criação de um sindicato paralelo. Acontece que a situação dos mineiros de Nova Lima era muito particular. Morro Velho ea diferente.

     - Nossa realidade é que nos unia. A luta contra a empresa exploradora eran sustentada por muita gente além do Partido. O Sindicato era nossa cria. O Comitê Estadual não entendia isso. Nós éramos mineiros, contudo, havia discordância entre nós, a decisão não era unânime. Os mais ortodoxos não aceitavam descumprir ordem superior - é o que diziam os comunistas locais.

     Para não criar o sindicato paralelo, a maioria resolveu resolveu comemorar o 1º de maio prestigiando associações de operários, sem desprestigiar o Sindicato. Para satisfazer ao Comitê Estadual do Partido Comunista, foram programadas festas paralelas. Foi um erro essa tentativa de conciliação. O local das festas era a praça central em frente à Matriz. Houve conflito com a Igreja. O Padre era linha dura, tinha verdadeira gana contra os "vermelhos", embora houvesse muito mineiro católico e muito católico comunista.

     Com os católicos de sua confiança, o Padre marcou uma procissão para o mesmo local e hora onde seria realizado o comício de encerramento das festas. Era provocação, mesmo. Um mineiro companheiro pertence à Sociedade São Vicente de Paula trouxe a notícia - a Igreja vai atrapalhar o comíssio dos "vermelhos" com uma procissão na Praça da Matriz, em homenagem a São José Operário. Coisa arranjada de última hora.

     A Igreja hostilizava de forma radical os comunistas, sem fazer qualquer distinção entre eles. Parecia não ser a mesma de Darzinho, organizador e líder da Juventude Operária Católica, que estava convivendo bem com os comunistas. Todos eram "vermelhos". Aquela Igreja sustentava a acomodação com a Compainha e com as autoridades resistentes à luta operária. Desde a morte de William, assinado por comparsas da Companhia, as relações azedaram de vez.

     - Foi só iniciar o comício e os sinos da Matriz começaram a tocar. Muito grandes, abafaram nossos fracos alto falantes - é o que relatou, mais tarde, um mineiro, que continuou: - sob o som estridente dos sinos, saiu a procissão, os fiéis traziam velas acesas na mão. O Padre vinha à frente invadindo a massa que estava no comício. Que confusão dos diabos! Bem no meio do povo, os sinos pararam e o Padre começou a gritar: - Os vermelhos querem tomar a companhia. Os vermelhos querem tomar a Prefeitura. Os vermelhos querem destruir as famílias! - Havíamos combinado que, caso a procissão provocadora saísse, deslocaríamos o comíssio imediatamente para a Praça Aristides, que ficava cerca de 300 metros. Esse movimento forçado e de última hora desmobilizou nosso comício. O dobro de pessoas ficou na procissão. De qualquer forma, iniciamos a celebração, sempre muito preocupados com a segurança de nossa gente. Os recentes assassinatos de William e Lambari nos colocavam com as "barbas de molho." - Muitos mineiros repetem essas histórias, e acrescentam:

     - O Padre era encardido, levou a procissão para onde estávamos na Praça Aristides, e quando o segundo orador ia falar, ouvíamos os gritos de "vermelhos", e ele avançada em nossa direção segurando uma cruz. Tínhamos acertado que na hipótese do que aconteceu, deveríamos dissolver o comício, não aceitando a provocação. Um enfrentamento naquela hora acabaria com muitas mortes. Companheiros compraram velas e se misturaram na procissão do provocador. No final, havia muitos comunistas seguindo a procissão com velas nas mãos, acredite se quiser.

     Outro ponto muito ressaltado pelos mineiros foi a intensa participação da mulher, a partir do fim doa anos 40. A mulher não descia na mina, mas sabia onde estava trabalhando seu marido, o vizinho, o companheiro. Sabia que ele vivia no fundo da terra, em permanente risco de vida. Era capaz de comentar: - Hoje ele está trabalhando em local muito perigoso. O gás pode explodir a qualquer instante - Conversar com mulher de mineiro é o mesmo que conversar com um mineiro.

     Com a redemocratização do País, a partir de 1946, estando os mineiros melhor organizados no Sindicato, os cristãos em aliança com os comunistas e a participação das mulheres, foram intensificadas as campanhas reivindicatórias dos mineiros por melhores condições de trabalho. As mulheres começaram a ter papel importante. No preparo de uma greve, elas faziam relações públicas com as famílias de operários mais reticentes. Eram marcadas visitas da comissão feminina às casas dos que poderiam furar a greve. Argumentavam, esclareciam.

     O salário do mineiro mal dava para comer. Além disso, ficava atrelado à Casa Aristides, grande empório que vendia tudo que a família do mineiro pudesse consumir. Acumpliciada com a Companhia, a Casa Aristides vendia fiado, o que tornava o mineiro cativo. Os preços eram sempre maiores que os do mercado. O mineiro tinha que se sujeitar, porque não tinha dinheiro para comprar à vista. Ele ficava, também submisso à empresa porque estava sempre devendo. O desconto em folha, quase sempre, alcançava todo o seu salário. O trabalhador nunca via dinheiro. Era uma espécie de escambo em que se dava troca de trabalho por mercadoria.

     No dia do pagamento, todos se juntavam no escritório da Casa Grande. Enquanto recebiam, ali mesmo do lado de fora, estavam os cobradores. - O mineiro ia recebendo e eles cobrando, - disse um mineiro. O mineiro solteiro recebia e ia procurar bares e mulheres. Muitas mulheres de fora estavam ali para pegar o dinheiro da boemia. Uma cafetina que controlava a zona boêmia escolhia as melhores mulheres para os encarregados. As piores ficavam para os carreiros.

     Deflagrada a Revolução Militar no dia 31 de março de 1964, o presidente do Sindicato dos Mineiros de Nova Lima, José Alexandre, acompanhando as notícias pelo rádio e em contato com as lideranças políticas em Belo Horizonte, achou por bem convocar uma reunião da diretoria para avaliar a situação nacional que parecia tão alarmante. O encontro foi marcado para as 19h30min na sede do Sindicato e lá compareceram Ademar Lima, Vicente Faria, Jesú Gonçalves, Armando Gerônimo, Raimundo Gertrudes da Costa, Osiel Assis Vaz, Helio de Oliveira, José Arechiro, Alberto Lemos Mota e Alberto Luiz dos Santos.

 

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