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Continuação da História de Nova Lima III
Continuação da História de Nova Lima III

     Os próprios mineiros, acostumados com a brutalidade do trabalho no fundo da mina, manifestavam verdadeiro pavor de serem transferidos para uma seção da empresa, instalada num imenso galpão, onde era feita a separação final do arsênio - a casa da morte, o "Galo".

     As razões desse temor absoluto podem ser entendidas ao se ler o relatório oficial, anteriormente citado, em que se afirma: "Em 135 operários examinados, 117 apresentavam lesões produzidas pela doença (arsenicismo). manifestações essas que surgiam na maioria dos casos com apenas quatro meses de trabalho, inutilizando praticamente as vítimas, provocando-lhes dores atrozes nas juntas, deformações, úlceras, etc.".

     Por diversas vezes trabalhadores da Morro Velho afirmavam que a impotência sexual era uma das consequências advindas do trabalho no Galo.

     O galpão dessa casa da morte ficava a meio caminho entre Nova Lima e Raposos, nas margens da estrada-de-ferro da empresa, que acompanhava o curso do ribeirão que deságua no Rio das Velhas. Isso nos permite constatar a aparência das águas que defluíam do Galo - esbranquiçadas e fétidas. Logo se concluía que a morte também seguia pelo córrego, rio abaixo, intoxicando populações ribeirinhas e dizimando inapelavelmente os peixes.

     (Cumpre assinalar que esse relatório oficial, do Ministério da Agricultura, foi elaborado pelo médico Manuel Moreira, de tradicional família de Santa Luzia. Destemido, ele não teve qualquer receio em enfrentar a Morro Velho, bem como não se intimidou diante das pressões para que não levasse a frente suas pesquisas e denúncias sobre as condições de trabalho na mina.)

     Apesar disso, a Companhia durante anos se recusou a pagar aos mineiros a taxa de insalubridade, quando essa questão era vital, sendo a causa de vários movimentos grevistas, entre os anos de 1953 e 1961.

     Ademais, os mineiros da Morro Velho eram também explorados fora da mina. De certa forma, viam-se forçados a comprar seus alimentos e outros produtos numa grande loja comercial, a Casa Aristides, ligada à empresa. Nela se abasteciam porque a Morro Velho descontava nos salários dos operários seus débitos neste empório. Só que os preços das mercadorias da Casa Aristides eram normalmente exorbitantes, em muito superiores aos que prevaleciam no comércio de Belo Horizonte.

     A Morro Velho com facilidade recrutava mão-de-obra para a mina, porque nunca faltava carne humana para seu matadouro. Houve épocas em que chegou a ter 8 mil empregados. Comparativamente, os salários da empresa eram mais elevados na região, considerando-se o mercado de trabalho que prevalecia na zona rural, terrivelmente pobre, no centro de Minas Gerais.

     Esse dado explica porque os mineiros, durante tanto tempo, sofreram mai ou menos passivamente todos os horrores mencionados. O certo é que temiam perder o emprego na Morro Velho. Esse quadro só veio a se alterar depois de 1930, quando eles começam a se organizar e a lutar, pleiteando melhores condições de vida e o respeito às normas da legislação trabalhista.

     A Companhia oferecia alguns benefícios aos trabalhadores, como uma moradia melhor que os casebres em que viviam antes, nos grotões de Minas Gerais. Na verdade, ela cobrava aluguéis simbólicos, dádiva aparente dos ingleses, porque a companhia não interessava a rotatividade acelerada da mão-de-obra na empresa.

     Constratando com o inferno que era a mina, com o passar do tempo os administradores ingleses, além de enviarem, ano após ano, excelentes dividendos a seus acionistas no Reino Unido, gozavam em Nova Lima de uma excepcional qualidade de vida. Viviam num gueto, em excelentes casas ajardinadas, bem semelhantes às da pequena nobreza rural inglesa.

     Ganhou fama sua fidalga hospitalidade no pequeno hotel da Companhia (Casa Grande), em que eram recebidos hóspedes privilegiados, pessoas de destaque no mundo e no Brasil. Como na década de 30, o príncepe de Gales, (depois rei Eduardo VIII), que marcou passagem em Minas com bebedeiras monumentais. Igualmente, foi hóspede da Morro Velho o ex-governador de São Paulo e candidato à Presidência da República Armando de Salles Oliveira, quando Vargas deu o golpe de Estado de 1937. Sem contar a visita de D. Pedro II, que provocou uma grande reforma na Casa Grande, o Rei da Bélgica e a seleção inglêsa de futebol na década de 50.

     Os ingleses em Nova Lima mantinham-se em tudo diferenciados dos brasileiros: hospital e escola com médicos e professores importados de seu país. Além disso, dispunham de bons locais para seus esportes e de uma igreja anglicana, ao lado da existia um cemitério particular, se bem que nestes dois últimos casos justificam-se por sererm anglicanos, portanto praticantes de uma religião que não existia em nosso território se não a católica.

     Certamente por tudo isso é que Pandiá Calógeras, na década de 1930, formulou uma crítica ao modo de vida dos ingleses em Nova Lima em Nova Lima, "inteiramente segregada do resto da população, constituída pelo pessoal dirigente e seus auxiliares, todos ingleses ou filhos e netos destes, tão aferrados à pátria de seus ascendentes que, já representando a segunda geração nascida no Brasil, ainda se declaram estrangeiros e falam a língua da terra com fortes sotaques britânicos".

     Durante décadas os administradores ingleses fizeram questão absoluta de ver sua bandeira, a "Union Jack", desfraldada no mastro da Morro Velho, o que provocou um violento protesto no Parlamento Brasileiro do então jovem deputado pernambucano Joaquim Nabuco.

     Apesar da Saint John D'el Rey Mining Company haver passado pequenas dificuldades, todas transitórias, nos 126 anos em que retirou ouro de Morro Velho, foi regeamente compensada pelo que investiu. Dessa forma, pôde ampliar de modo constante seu patrimônio, tornando-se proprietária de cerca de 42 mil hectares nos municípios de Nova Lima, Raposos e Sabará, imensa área com reservas incalculáveis de minério de ferro na Serra do Curral.

     Para conseguir tão fantástico patrimônio recebeu um tratamento privilegiado no que se refere ao recolhimento de impostos. De início gozou da insenção de tarifas alfandegárias, alegando que a importação de máquinas e matérias-primas beneficiaria a extração de minérios. Os impostos que recaím sobre a companhia foram eliminados e 1859 até a Proclamação da República. Depois, a partir de 1934, tendo que pagar o imposto único sobre minérios, obteve a insenção desse tributo durante 20 anos.

     Na verdade, as autoridades brasileiras nunca conseguiram desvendar a realidade contábil da Companhia. Além da fiscalização oficial precária,  para se defender ela contava com um grupo de bons advogados e "lobistas", que trabalhavam ativamente nos bastidores governamentais.

     Essa política de boas relações com o poder público chegou ao ponto de a Morro Velho emprestar dinheiro ao governo de Minas Gerais para que este prosseguisse as obras da transferência da capital, de Ouro Preto para Belo Horizonte, em fins do século XIX. Mudança que interessava aos ingleses; afinal de contas, Belo Horizonte foi construída na vertente norte da Serra do Curral, na vizinhança das terras da Morro Velho. O leitor poderia até pensar que parece que estavam advinhando que o vertor sul da capital favoreceria nos tempos atuais a especulação imobiliária por parte dos novos donos da mineradora.

     No início da década de 1930, quando o Brasil vivia agitado, coisas novas e inusitadas começaram a suceder em Nova Lima. Tudo porque aqui chegaram em 1932, três comunistas (um deles um sapateiro) trazendo novas idéias, diferentes daquelas que existiam entre os operários da Morro Velho. Idéias que rapidamente germinaram naquele ambiente de opressão e espoliação.

     Numa primeira fase, os comunistas pouco avançaram com seu proselitismo. Deles brotou, porém, uma proposta que consquistou o apoio de uma parcela dos operários: a fundação de um sindicato dos empregados da Companhia. Mesmo porque, naqueles anos, o país estava dominado pela agitação em torno da política de Vargas, que apontava abertamente na direção de mudanças na "questão social".

     Sendo esse o ambiente no plano nacional, não foi difícil arrebanhar pessoas para se criar uma organização operária. Dezessete mineiros se comprometeram a participar do sindicato, que foi denominado "União dos Mineiros da Morro Velho". Sua fundação deu-se no dia 13 de maio de 1934, exatamente para comemorar a data da abolição da escravatura. Na assembléia de instalação estiveram presentes 47 associados, número que decuplicou na segunda assembléia.

     A direção da Companhia contra-atacou de imediato, pressentindo o que poderia suceder no futuro. Como a legislação permitia a pruralidade sindical, determinou a seus prepostos que fundassem outro sindicato. Agindo assim, os ingleses da Morro Velho confirmaram aquela observação de Bernard Shaw, de que seus compatriotas tornam-se eficientes e, portanto, perigosos, quando devidamente assustados.

     Durante certo tempo, foram duas as organizações operárias na Morro Velho - "o sindicato de baixo", autêntico, e o "sindicato de cima", que fazia o jogo da empresa. Esse quadro não perdurou por muito tempo, porque logo para os mineiros ficou evidente a manobra dos ingleses. Este fato também veio a colaborar para uma tradição que perdura até os dias atuais em Nova Lima a rivalidade dos moradores da parte baixa da cidade contra os da parte alta.

     Ao contrário de simples agitadores, os comunistas de Nova Lima, alidados aos de Raposos, agiram com paciência e sabedoria, ao orientar de forma correta o "Sindicato de Baixo". Este concentrou sua luta em torno dos trabalhadores. Para tanto, desenvolvia uma política hábil, inclusive aceitando determinadas imposições do Ministério do Trabalho.

     O sindicato utilizava dispositivos da legislação Trabalhista (implantada pelo governo) para obter benefícios reais para os mineiros, arrancando dos ingleses essas conquistas. Conseguiram instituir na empresa a carteira profissional, emitida pelo Ministério do Trabalho, a efetivação do direito de férias, a criação do seguro social na mina, o auxílio nas enfermidades dos operários, o pecúlio por motivo de falecimento, o salário mínimo, etc. Enfim, um lento mas firme avanço no campo dos direitos sociais.

     Ao mesmo tempo, particularmente em 1935, o sindicato foi se enganjando em ações propriamente de caráter político, inclusive promovendo fatos inéditos em Nova Lima, como a comemoração do Primeiro de Maio, manifestações contra o integralismo, ações de solidariedade às lutas de operários em Belo Horizonte e a participação em reuniões sindicais nacionais.


    

     

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