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Continuação da História de Nova Lima IV
Continuação da História de Nova Lima IV

     O "Sindicato de Baixo" consolidou-se em definitivo como a única e poderosa organização dos mineiros da Companhia. Mas esta não cruzou os braços diante dos fatos: demitiu sumariamente os 17 responsáveis pela criação do sindicato e conseguiu que o Ministério do Trabalho decretasse uma intervenção no sindicato durante durante algum tempo. Contudo, o enraizamento da entidade dentro da empresa era um dado da realidade, até mesmo porque nunca seus diretores se afastavam do trabalho duro e cruel dentro da mina. Foi uma norma estabelecida de não serem reeleitos os diretores do sindicato. Não havia ali clima para o surgimento de "pelegos", ou seja dirigentes sindicais que se comprometem e fazem o jogo dos patrões.

     Os administradores da Companhia, atarantados ante a atividade do sindicato, passaram a estimular a Igreja Católica a pregar dia e noite contra "o credo vermelho", a organizar ações provocadoras incessantes contra "os comunistas", a fim de dividir os trabalhadores. Durante mais de vinte anos dedicou-se o vigário de Nova Lima a esse triste papel.

     O certo é que, mesmo no período de tremenda repressão policial no Brasil - entre os anos de 1935 a 1945 (no Estado Novo) -, o movimento operário na Morro Velho não foi esmagado. O grupo dos comunistas foi se fortalecendo com o recrutamento de dezenas de mineiros. Em 1945, com a redemocratização do país, o PCB apresenta-se como a maior força política organizada em Nova Lima.

     O período imediatamente posterior a 1945 assinala, acima de tudo, a efervescência das lutas operárias na Morro Velho. Longe, muito longe, ficaram aqueles tempos em que os ingleses tranquilamente extraíam ouro das rochas, sugando a alma e o sangue dos mineiros.

     Um resumo impressionante dessas lutas, entre os anos de 1948 a 1964, é representada por Yonne Grosse: três dissídios coletivos de trabalho, uma greve branca (os operários entravam na mina, mas lá dentro nada faziam), dez ameaças de greve e sete greves. Entre essas, uma durou 33 dias, outra 18, e assim por diante. Lutas duras, quase sempre com sucesso.

     Até o ano de 1950 viveu-se o apogeu da liderança comunista. Ela demonstrou sua força nas eleições de 1945, 46 e 47. Nelas o PCB foi o partido majoritário em Raposos, daí apelidada pelos ingleses de Moscou, pois era reduto de comunistas. Elegeu Jacinto Augusto de Carvalho para o cargo de vice-prefeito do município de Nova Lima; para a Câmara Municipal elegeram quatro dos nove vereadores. Os jornais da imprensa comunista eram os mais vendidos e mais disputados em Nova Lima.

     As assembléias do sindicato precisavam ser feitas num amplo cinema, já que a elas ocorriam centenas de associados. Nas eleições sindicais, as chapas apoiadas pelos comunistas eram consagradas pela imensa maioria dos sócios. O sindicato era uma fortaleza e os ingleses não podiam derrotá-lo.

     A liderança comunista era experiente e corajosa. Em nossa região Jacinto Augusto de Carvalho, uma maquinista de perfuração, forte, baixinho, causava impressão pela segurança e serenidade de seus discursos nas assembléias e reuniões partidárias. Ao seu lado sempre estava Anélio Marques Guimarães, na aparência uma pessoa fisicamente fraca, pois a silicose já corroera os seus pulmões. No entanto, era uma lançadeira num tear, organizando e esclarecendo  seus companheiros. Outra figura impressionante era o carreiro Geraldo Policarpo. Extremamente forte, como todos que enchiam os vagonetes de minério, seu aspecto físico constrastava com sua fala macia e amistosa.

     Na Mina Grande em (Nova Lima) sobressaía Wlliam Dias Gomes, o maior líder dos mineiros da Morro Velho, jovem, forte como um touro, invariavelmente brincalhão, de semblante aberto, era amado como ninguém, inclusive porque havia sido um ídolo no futebol. Nas assembléias suas falas eram diretas, sem rodeios. Causticava os ingleses sem qualquer contemplação. Ao seu lado, talvez pra contrabalançar a impulsividade de William, marchava Antônio Liberato da Silva, muito calvo, maquinista de elevador; com paciência e propostas sensatas, sabia encontrar as soluções possíveis para resolver os impasses.

     Outros, muitos outros comunistas, se destacavam e sabiam como organizar os mineiros. Diversos ficaram mais conhecidos pelos seus apelidos: José dos Santos, o Lambari, em razão de defeito em seus olhos; Eidyr Pena, o Canoa, devido a formação de sua cabeça; João Pequeno, um preto baixo e troncudo; os irmãos Manoel e Orlando Correia; David Custódio e tantos outros.

     Mas os ingleses da companhia não podiam tranquilamente aceitar os desafios e as derrotas que sofriam ante a ofensiva dos trabalhadores. Entenderam ser indispensável atingir a cabeça, a liderança dos mineiros. Fosse como fosse, desfechar um golpe de morte nos comunistas. Recorreram, então, à velha arma do crime: o uso de um grupo de sicários, de gente estipendiada, alguns deles empregados da empresa, para enfrentar os comunistas e eliminá-los fisicamente.

     Do ponto de vista político, tudo levava a um aguçamento exacerbado do anticomunismo, no mundo e no Brasil. Sentia-se que o discurso de Churchill, em Fulton, desencadeara a Guerra Fria. O governado Dutra prosseguia com tenacidade sua política de isolar e esmagar os "vermelhos".

     Esse era o clima do país e, em outubro de 1948, o ambiente em Nova Lima era extremamente tenso. A empresa anunciou medidas que prejudicavam os trabalhadores. Decidiu suspender um grupo de feitores. Iniciou-se, então, uma greve espontâne; que logo generalizou por toda a mina; contingentes policiais e militares ocuparam a empresa, mas a massa de mineiros não se intimidou, obrigando a companhia a recuar.

     A resposta dos ingleses veio três semanas depois, num episódio sangrento. No dia 7 de novembro, quando os comunistas comemoravam o aniversário da Revolução de Outubro, um bando invadiu o escritório dos vereadores comunistas e assassinou o grande líder dos mineiros - o vereador William Dias Gomes.

     Os relatos sobre os acontecimentos revelam detalhes. "Os jagunços invadiram a sede atirando e atacando com revólveres, espingardas, facas. Houve tiroteio, luta corporal, confusão total. (...) William, sem armas, desce pela escada para tentar convencer os capangas a não perturbar. Recebe duas balas; foi atingido na cabeça e no peito. Um outro operário, parecido com o bancário de Belo Horizonte (o ex-deputado estadual Armando Ziller, eles o mataram. Pensaram ter acabado com o líder comunista".

     No dia seguinte, além da família, uns poucos mineiros levaram o corpo de William ao cemitério, onde a polícia prendeu os considerados suspeitos de serem comunistas. No inquérito policial, a conclusão do delegado de Belo Horizonte foi a de que a polícia "não poderia ter consentido que no próprio coração daquela cidade funcionasse às escâncaras (...) verdadeira célula comunista.

     Yonne Grossi registra o que pensava um mineiro, não comunista, sobre aquele que foi friamente assassinado. "William era perigoso: não usava meias-palavras. Não temia a Companhia. Atacava de frente. Os mineiros o seguiam. Existia um grupo contra William, apoiado pela Companhia; era vencer o cabra (...) ou o que precisasse. Eu gostava do Sindicato, mas era contra os comunistas. Sou católico. Não fui daquele grupo. Conhecia a turma e um deles matou William".

     Aquele fatídico dia, 7 de novembro de 1948, foi o ponto de partida do processo para anular o grande prestígio dos comunistas na Morro Velho. Em seguida, prosseguiu-se a ofensiva contra os trabalhadores, visivelmente articulada pela empresa.

     Em janeiro de 1949, é lançada uma organização denominada União Nova-limense de Assistência Social (UNAS), que passou a ser chamada pelos mineiros de "União dos Assassinos". Seu lema ostensivo era; combate à "infiltração comunista". De acordo com o depoimento de um operário, ela recebia a assistência eclesiástica do vigário, tornando-se um órgão que representava a Companhia e a polícia".

     Na madrugada do dia 17 de junho de 1949 assassinaram outro dirigente comunista, o mineiro José dos Santos, o Lambari. Muito afável, ele era o responsável pela organização das mulheres dos trabalhadores e sua função era ativar as associações feministas; estava articulando uma campanha pelos direitos das viúvas dos mineiros.

     Os vereadores comunistas, em manifesto, atribuíram o crime ao mesmo indivíduo que matara William Dias Gomes. Todavia, dias depois, uma pessoa acompanhada de um advogado apresentou-se como "o verdadeiro criminoso, alegando que cometera o crime em legítima defesa".

     Nesse ambiente de terror, a Morro Velho deu seu grande golpe, alegando que a agitação comunista estava levando ao decréscimo da extração de ouro. Conseguiu que um representante do Ministério Público encaminhasse à Justiça de Nova Lima uma ação para que a Companhia pudesse demitir 51 mineiros, a cúpula do movimento operário em Nova Lima.

     Naquela época, a legislação trabalhista assegurava a estabilidade no emprego depois de mais de dez anos de trabalho de uma pessoa numa empresa. Então só com a autorização do Judiciário a demissão se efetivaria. No caso desses 51, a maioria fora contratada há mais de 20 anos, sem qualquer fato desabonador em sua conduta profissional. Mas, isto sim, quase todos estavam fichados na polícia como comunistas.

     O processo contra os 51 arrastou-se durante mais de três anos, com decisões a favor e contra os operários, e teve ampla repercussão nacional. Tudo foi tendado pelos mineiros e seus advogados, para desmascarar a farsa jurídica. A opinião pública não aceitou as esfarrapadas alegações dos ingleses, demonstrando apenas porque no mundo, e com razão, se qualifica a Inglaterra como "a pérfida Albion".

     Um dado inesquecível, naqueles dias, foi o espetáculo da passeata de centenas de mineiros, acompanhados de suas mulheres e filhos. Eles saíram a pé de Nova Lima em direção a Belo Horizonte, subindo e descendo pela Serra do Curral, num percurso de mais de 30 quilômetros, até o Palácio da Liberdade, sede do governo mineiro. Este lavou as mãos, argumentando que a questão estava sendo examinada pela justiça.

     Em 1952, o Superior Tribunal do Trabalho sacramentou a imposição da compainha. Enfim, os mineiros perderam a batalha, os trabalhadores ficaram intimidados e os comunistas foram obrigados a refluir, a se encolher, agindo de modo menos ostensivo e mais prudente.


    

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